Divulgação da Embrapa tenta desmitificar a alteração genética de alimentos como algo nocivo. Estudos e testes no Brasil seguem rígidas normas da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança Quando se fala em transgênicos, em muitas mentes logo surge a imagem de alimentos totalmente modificados, como uma maçã enorme e vermelha que não apodrece nunca – e que, desconfia-se, deve ser tão envenenada quanto a oferecida a Branca de Neve. A biotecnologia moderna, porém, não só vai muito além das modificações em setores produtivos como agricultura e pecuária, como também está sujeita a políticas e controles de segurança muito rígidos. Basta uma visita aos laboratórios da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen), empresa de pesquisa ligada ao governo federal, para entender o longo caminho percorrido pelos pesquisadores para levar adiante projetos que vão desde plantas geneticamente modificadas para a produção de medicamentos até o desenvolvimento de variedades de alface biofortificadas, com maior teor de ácido fólico. O que muitos brasileiros podem não saber é que existe a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), instância colegiada multidisciplinar que estabelece normas técnicas de segurança e pareceres técnicos referentes à proteção da saúde humana, dos organismos vivos e do meio ambiente, para atividades que envolvem a construção, experimentação, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, armazenamento, liberação e descarte de organismos geneticamente modificados (OGM) e derivados. Foi essa comissão que aprovou, em 2011, o feijão transgênico com resistência ao vírus do mosaico dourado, depois de mais de 10 anos de pesquisa. Primeira variedade geneticamente modificada desenvolvida exclusivamente por instituições públicas de pesquisa no país, o feijão é resistente à pior praga do feijoeiro em todo o Brasil, que gera um prejuízo estimado de 90 a 290 toneladas por ano. De acordo com o pesquisador Francisco Aragão, o DNA do feijão foi modificado para que produzisse fragmentos do RNA responsável pela ativação da defesa contra o vírus – algo que a planta comum chega a produzir, mas apenas quando o vírus já está instalado. “Atualmente, os produtores controlam a doença com o uso de inseticidas que matam a mosca branca, que transmite o mosaico dourado. Costumo dizer que vírus é como um furo em uma barragem. Se não tampar, ela estoura. É preciso evitar que o vírus se replique já no comecinho. Se não for assim, o bloqueio depois é quase impossível”, explica Aragão. Depois de uma fase de ensaios de cultivo obrigatório, o registro dessa variedade do feijão deve ser realizado em até dois anos. A intenção é que as sementes sejam disponibilizadas para produtores rurais livres da cobrança de royalties. ÁCIDO FÓLICO Outro destaque entre os projetos de pesquisa da Embrapa são as variedades de alface com 15 vezes mais ácido fólico, um nutriente importante principalmente na dieta das gestantes. A falta de ácido fólico durante a gravidez pode causar má-formação do tubo neural do feto – estrutura que dá origem ao cérebro e à medula espinhal. Além do impacto na formação do feto, a deficiência de ácido fólico também pode estar relacionada a doenças no sistema nervoso e à depressão em adultos. De acordo com Aragão, foi feita uma alteração na rota metabólica das plantas de alface, que permitem que elas concentrem em 12 gramas cerca de 70% da quantidade diária recomendada de ingestão de ácido fólico em um adulto – as grávidas devem comer o dobro disso. “Se fosse a planta normal, seria preciso ingerir dois pés de alface. As plantas estão prontas e devem passar por ensaio de biossegurança para que seja encaminhado o pedido de aprovação”, explica o pesquisador, que acrescenta que, no paí s, a farinha é fortificada com ácido fólico, mas a quantidade não é uniformizada no produto. Também no Cenargen estão sendo desenvolvidas plantas resistentes à estiagem. O pesquisador Eduardo Romano explica que o estresse hídrico (seca) é o principal estresse abiótico no mundo, ou seja, que não está ligado a pragas, fungos, bactérias ou vírus. “A Organização das Nações Unidas (ONU) estimou que será necessário aumentar em até 50% a produção de alimentos até 2030. Além disso, estima-se que 70% da água doce usada no mundo seja destinada à agricultura. É preciso pensar na redução das perdas e também na sustentabilidade”, aponta Romano. Os primeiros passos foram dados com o projeto Genoma café, iniciado em 2007, em que foram analisados cerca de 30 mil genes da planta. Entre eles, foram identificados e isolados os cinco mais presentes em condições de estresse hídrico e que se adaptaram a essas condições. O gene CAHB12, mais resistente, foi introduzido em exemplares que, em comparação com as plantas naturais, sobreviveram o dobro do tempo sem água, uma média de 40 dias. “Estamos aguardando o processo de aprovação pelo CTNBio e também introduzindo o gene em outras plantas como a soja, algodão, trigo e arroz. Se tudo correr bem, podemos ter variedades comerciais em cinco anos.” |
Fonte: Estado de Minas – BELO HORIZONTE – (MG) – 03/01/2013